Resenha: Silvestre

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Silvestre é um daqueles achados para fãs de quadrinhos. O que nasceu como um livro infantil de terror, tornou-se uma graphic novel preciosa, que reflete, de forma visceral, a relação entre homem e natureza em todas as suas brutalidades. Lançado pelo selo DarkSide® Graphic Novel, Silvestre aborda o respeito sobre o que a terra pode nos dar e o que somos capazes de oferecer. Saiba mais na resenha de Silvestre!

"Em Silvestre, acompanhamos a jornada de um velho caçador que atravessa e dialoga com lendas sobre divindades extintas, mergulhando na relação entre o homem e a natureza, e o respeito sobre o que a terra pode nos dar e o que somos capazes de oferecer. No isolamento de sua cabana, ele assa uma torta. Seu aroma cruza a memória, as paredes, a floresta, atraindo animais silvestres e criaturas fantásticas em um grande resgate ao convívio humano, digno de uma celebração selvagem e ritualística

“Quando voltei a seguir este raro animal, a maneira como o concebia havia mudado, o mundo a minha volta também. Foi preciso encarar sua narrativa como um caderno de viagens ou sketchbook para gravar seu rastro e a animalidade em volta sem perdê-los de vista, usando do lápis, do nanquim, do óleo, do óxido de ferro, o diabo que fosse, para tentar compreender sua forma”, explica Willian."


FICHA TÉCNICA
Título
: Silvestre
Autor: Wagner Willian
Páginas: 192
Ano: 2019
Editora: DarkSide Books
Nota: 4,5
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LIVRO CEDIDO EM PARCERIA COM A EDITORA





“Quando minha pele criou rugas como a casca daquele Carvalho? Quando meu peso mudou sua marca? Quando me tornei o calor do aço que carrego e amei a terra onde nada é inútil?” Essa é uma das primeiras frases ditas em Silvestre e mostra bem o tom do livro, tanto pelo seu caráter reflexivo e profundo, quanto pela associação entre as sensações e comportamentos humanos e a Natureza.

Tive a sorte de poder ler Silvestre enquanto me isolava em meio à natureza. Passei cada página dessa graphic novel ao som do gralhar de aves, em meio à melodia do vento que soprava as folhas das árvores em volta da casa e do suave ronronar de um dos meus gatos, que dormia em paz ao meu lado. Foi ainda mais fácil me sentir sugada para dentro de suas páginas e acredito que isso fez com que a leitura tenha sido ainda mais impactante.


Já o prefácio, escrito por Felipe Castilho, cria uma atmosfera selvagem e pitoresca, que suga o leitor antes de termos acesso às primeiras páginas do livro. O prefácio é uma excelente forma de preparar o leitor para o que ele encontrará em Silvestre, ao mesmo tempo em que torna a leitura ainda mais rica. Entretanto, é uma delícia se surpreender com o desenrolar da narrativa criada por Wagner Willian. O que começa de forma poética e calma, uma verdadeira imersão na natureza, se transforma em uma sequência caótica e sangrenta.


Ultimamente tenho lido HQs e graphic novels que o texto acaba sendo um elemento complementar às imagens, que costumam ser o ponto alto, claro. Entretanto, desde as primeiras páginas percebi que Silvestre seria diferente. Desde as primeiras palavras que tive contato com um texto poético, forte e intenso, que suga o leitor quase mais do que as ilustrações, que já são uma obra-prima por si só.

Silvestre traz uma proposta muito interessante. As ilustrações são mescladas entre quadros coloridos e traços em preto e branco, que passam a impressão de que o trabalho está inacabado, mas em constante transformação e criação. Essa mistura passa uma sensação de movimento, como se os desenhos coloridos fossem quadros estáticos e como se os que estão em preto e branco representassem a passagem do tempo e/ou trouxessem movimento para as páginas.


As ilustrações têm um estilo mais grosseiro, com pinceladas grossas, quase como se algumas páginas estivessem mesmo manchadas de tinta, ao mesmo tempo em que nos passa a impressão de estarmos admirando uma pintura. Wagner Willian traz, em seus traços, uma sensação de programado caos. A própria diagramação do texto traz um aspecto de desordem, fazendo com que a leitura do texto também passe uma sensação de caos e movimento. Silvestre é uma verdadeira obra de arte.

Nas palavras do autor, em entrevista para o blog da Darkside Books, "por ser uma história “silvestre”, a narrativa visual deveria acompanhar essa verve indômita. Até entender isso, foram diversas etapas que encontraram sua própria voz quando eu me permiti ser livre quanto aos materiais e suportes usados. Pensei o livro como um caderno de viagens ou sketchbook, onde as anotações são soltas e os desenhos não se prendem a nada. Acabei usando o óleo, o nanquim, a esferográfica, óxido de ferro, o diabo que estivesse à mão".


Por conta desse elemento caótico, Silvestre pode ser uma história de difícil leitura. Além disso, a princípio, fiquei um pouco incomodada com a escolha de uma letra cursiva para os textos, porque deixou a leitura um pouco menos fluida. Entretanto, é uma inegável combinação inegável com os traços e o estilo de Wagner Willian. E à medida que fui lendo, fiquei com a impressão de que essa escolha foi proposital para prender o leitor de alguma forma nas suas lacunas.

Outro aspecto bem rico do livro é a escolha de entidades que aparecem ao longo da narrativa. Até alguns personagens do folclore brasileiro tem participações ao longo da trama, incluindo os icônicos curupira e mula sem cabeça. Por mais que o livro, a princípio, nos remeta a paisagens cinematográficas da América do Norte, ao nos depararmos com essas personagens acabamos fisgados de volta para uma realidade mais brasileira. É mais uma forma de valorizar as caricaturas nacionais que estão espalhadas no imaginário popular e trazê-las com mais força para a literatura.


Várias vezes, ao longo da leitura, me permiti anotar diversas citações dos personagens, seja em diálogos, seja na própria narração. Mais do que as imagens maravilhosas que ilustram Silvestre, as reflexões escritas trazidas por Wagner Willian me impactaram bastante. Como, por exemplo, na frase: “A mais antiga das literaturas, escrita na ranhura das folhas, na respiravam das árvores, na carcaça intacta de uma serpente”. Por meio de suas palavras, o autor consegue dar ainda mais destaque para o objetivo da história, para essa ligação entre homem e Natureza e todo o caos no meio disso.

Silvestre é o primeiro contato que tenho com o trabalho de Wagner Willian, mas confesso que me senti extremamente tentada a conhecer mais dos projetos do autor e artista. Silvestre carrega uma profundidade difícil de ser assimilada em uma primeira leitura e tenho esperanças de encontrar essa mesma sensação em outros trabalhos do autor.


Silvestre traz uma crítica sobre a ocupação do homem e sua relação com o ambiente. Em determinado momento, um dos personagens levanta a seguinte questão a respeito dos humanos: “Não seu povo. Ele é arrogante e cheio de si. Quer existir separado. Não duvido e ainda quer que tudo seja igual a ele. Como é isso? Como pode ser igual se não divide?”

Silvestre traz uma crítica dura sobre a violência contida no homem, como o mais “civilizado” dos homens ainda é mais arisco que o mais selvagem dos animais. Nas páginas de Silvestre somos obrigados a questionar nosso espaço e nosso papel. Somos forçados a sair do lugar comum e abrir os olhos para as possibilidades de sermos tão selvagens quanto os animais que tentamos domesticar e renegar. É uma graphic novel difícil de engolir, mas uma delícia de mastigar. Nas palavras de Wagner Willian, "em tempos obtusos, teocráticos, Silvestre é um elogio à selvageria".

“Seguiu-se uma jornada entre o homem e a natureza, a respeito sobre o que a terra pode lhe dar e o que ele é capaz de oferecer. Aqui, um lugar indefinido onde real e absurdo entrechocam-se. Aí fora, as definições estão todas dadas”.
Gostou da resenha e quer conhecer outra graphic novel imperdível? Então confira a resenha de A Revolução dos Bichos!






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