Carrie Soto, a não linearidade do tempo e os padrões de excelência que escolhemos

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No último final de semana, tive a oportunidade de ler Carrie Soto está de volta, o novo livro da Taylor Jenkins Reid. Devorei o livro em dois dias e me peguei querendo começar a acompanhar e aprender absolutamente tudo sobre tênis (eu nunca assisti mais de quinze minutos de uma partida na minha vida). 

Como vários dos meus surtos literários, mergulhei de cabeça na história (às vezes sem saber direito o porquê de estar tão envolvida), me entreguei como a leitora completamente emocionada que sou, e encerrei a leitura dessa vez sem pensar tanto a respeito do livro. 

Durante a semana o compromisso de escrever esse texto foi se fazendo cada vez mais urgente e, confesso, passei um bom tempo olhando para o cursor piscando em uma tela em branco. E enquanto refletia sobre o tema da news, não pude deixar de pensar na Carrie. 

No mundo de pessoas famosas que não existem – que ninguém cria melhor que Taylor Jenkins Reid – Carrie Soto é a maior tenista de todos os tempos que, aposentada, é obrigada a ver, de camarote, uma tenista mais nova quebrar seu recorde. Ela, que dedicou sua vida inteira ao esporte e teve o tênis como sua razão de viver, precisa decidir se vai deixar outra pessoa transformá-la no sinônimo de passado ou se vai sair da aposentadoria e recuperar o que acredita ser seu e, por consequência, buscar a si mesma novamente.

Carrie Soto é a representação dos padrões de excelência que estabelecemos para nós mesmas com base em vozes da nossa cabeça. Ok, ela também teve uma grande influência de sua criação, mas Carrie vive uma vida de metas e parâmetros inalcançáveis e está constantemente precisando se provar não para os outros (já que ela já quebrou todos os recordes possíveis), mas para a maior juíza de todas: ela mesma. Acompanhamos a história de uma mulher que parece ser incapaz de viver no presente, constantemente tentando superar a si mesma e sempre com um novo campeonato, um novo recorde, alguma coisa sempre à frente.

Por muito tempo me vi na pele de Carrie Soto. Nunca vou saber o que é ser uma atleta de alto rendimento tendo os olhares do mundo sobre mim, mas sei um pouquinho o que é se cobrar para sempre ser alguém melhor, para tentar estabelecer uma nova meta, um novo objetivo mesmo quando aquilo que você gostaria de fazer já foi alcançado. Por muito tempo pensei que a única forma de viver era seguindo em frente. Por que é isso que nos ensinam, certo? "Amanhã vai ser outro dia", "um dia após o outro", "um passo de cada vez", tudo de alguma forma nos fazendo imaginar uma linha imaginária que mostra o caminho à nossa frente como uma reta. Como se o tempo também tivesse apenas uma possibilidade e fosse seguir um segundo após o outro, numa contagem progressiva interminável em que ninguém pode ousar ficar parado no mesmo lugar, caso contrário você perde uma corrida que nem decidiu participar para começo de conversa.

Nossas escolhas refletem um pouco de nós, né? E a gente quer que aquilo que a gente faça seja um reflexo de quem somos, ou pelo menos de parte de nós. Então, se queremos ser mais, precisamos fazer mais. Certo? Bom... 

A gente está constantemente buscando formas concretas para explicar abstrações e fenômenos que não somos capazes de compreender perfeitamente. O tempo é uma delas. Então criamos as horas, os relógios, os calendários. Estabelecemos metas, delimitamos prazos, escolhemos parâmetros para medir desempenho. Observamos padrões naturais e, ao invés de entender como fazemos partes deles, fazemos com que eles caibam (e nunca cabem) dentro de invenções humanas que, na maior parte das vezes, não fazem sentido algum. 

Passei um bom tempo me cobrando para estar no cenário ideal que criei na minha cabeça e chamei de presente até perceber que estava olhando do jeito errado e, por isso, me cobrando tanto e de formas bem injustas. Uma das minhas maiores vontades era correr mais rápido que eu mesma. Te desafio a visualizar essa cena e me explicar em que mundo isso seria possível.

No começo da pandemia tive a chance de voltar um pouco às minhas origens e passar a quarentena em meio à natureza, no meio do mato. E foi ali que percebi muito claramente que o tempo do relógio não é o tempo de verdade. É muita arrogância e ignorância achar que o tempo é linear só porque essa é a maneira mais fácil de compreendê-lo. 

É interessante que, bem na mesma época em que comecei a olhar para o tempo de outra forma, eu estava lendo, pela primeira vez, o Mulheres que correm com os lobos e, no momento em que escrevo esse texto, estou no processo de relê-lo. E essa constatação veio forte mais uma vez: a doutora Clarissa já falava sobre nossa noção linear das coisas e como isso gera uma frustração de sentir que estamos atrás de algo que na verdade não está numa reta à nossa frente. Porque essa linha não existe. E é aí que está o pulo do gato: se essa linha não existe, ninguém está à frente de você. Então você está correndo pra quê?

Eu faço muita coisa. Atualmente acho que essa deve ser a forma como as pessoas ao meu redor mais usam para se referir a mim. Não sei muito bem como me sinto sobre isso, mas que é verdade é. E muitas pessoas (por um bom tempo me incluí nessa lista também) acreditam que fazer tanta coisa significa não estar presente e mergulhar cada vez mais numa urgência de fazer mais e mais e mais. Mas me despi de várias cobranças, principalmente as minhas, e percebi que não é bem assim.

O estado de Yoga, como aprendi e gosto de chamar, ao contrário do que muita gente pensa não é sustentar uma postura intocável de alguém que passa horas meditando, que não faz muitas coisas ao longo do dia ou consegue terminar uma lista de tarefas. O verdadeiro estado de Yoga é se manter presente em tudo o que você se propõe a fazer e se entregar verdadeiramente àquilo. Patanjali, Taylor Jenkins Reid, Billy Joel e eu concordamos nisso.

Não interessa se você faz mil coisas, o importante é estar inteira, presente, sem pressa. Não tem corrida, não tem comparação, não tem linha de chegada. E a verdade é que nunca vai dar pra fazer tudo mesmo. Então se permite pegar a raquete, entrar em quadra e jogar pelo prazer de estar ali. O tempo não vai parar, mas também não vai se perder. Só aproveita. Vienna waits for you.

Esse texto foi publicado originalmente em uma newsletter escrita por mim e duas das minhas melhores amigas. A "na minha cabeça faz sentido" é uma newsletter criada por mim e duas amigas. Cada news é conduzida por um tema central, que ocupou o nosso mês de forma tão intensa que rendeu algumas reflexões, mas você vai perceber que cada uma de nós tem a sua própria interpretação a respeito. Saiba mais aqui!

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