Resenha: Matadouro-cinco

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Publicado originalmente em 1969, durante a guerra do Vietnã, Matadouro-cinco faz críticas ao militarismo e à cultura expansionista norte-americana. É um ato político embalado em literatura.
Agora, em 2019, a editora Intrínseca relança essa clássico com uma nova roupagem e uma edição especial, para conquistar e reconquistar o público.

Entenda porque o livro de Kurt Vannehut se tornou um clássico da literatura e é considerado um dos melhores livros do século XX com a resenha de Matadouro-cinco!

"Edição comemora os 50 anos de um clássico moderno, o mais importante da obra de Kurt Vonnegut.
O humor e estilo únicos e originais de Kurt Vonnegut o fizeram um dos escritores mais importantes da literatura norte-americana. Sarcástico, ele foi capaz de escrever sobre a brutal destruição da cidade de Dresden, na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial — sem apelar para descrições sensacionalistas. Em vez disso, criou uma história imaginativa, muitas vezes engraçada e quase psicodélica, estrategicamente situada entre uma introdução e um epílogo autobiográficos.
Assim como Billy Pilgrim, o protagonista de Matadouro-Cinco, Vonnegut testemunhou como prisioneiro de guerra, em 1945, a morte de milhares de civis, a maior parte deles por queimaduras e asfixia, no bombardeio que destruiu a cidade alemã. Billy tinha sido capturado e destacado para fazer suplementos vitamínicos em um depósito de carnes subterrâneo, onde os prisioneiros se refugiaram do ataque dos Aliados. Salvo pelo trabalho, depois de ter visto toda sorte de mortes e crueldades arbitrárias e absurdas, Billy volta à vida de consumo norte-americana e relata sua pacata biografia, intercalando sua trajetória aparentemente comum com episódios fantásticos de viagens no tempo e no espaço.
Ao capturar o espírito de seu tempo e a imaginação de uma geração — afinal, o livro foi publicado originalmente em 1969, em plena guerra do Vietnã e de intensos protestos e movimentos culturais —, o livro logo virou um fenômeno e sua história e estrutura inovadoras se tornaram metáforas para uma nova era que se aproximava. Ao combinar uma escrita cotidiana, ficção científica, piadas e filosofia, o autor também falou das banalidades da cultura do consumismo, da maldade humana e da nossa capacidade de nos acostumarmos com tudo. Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência."

FICHA TÉCNICA
Título: Matadouro-cinco
Autor: Kurt Vonnegut
Ano: 2019
Páginas: 288
Idioma: Português
Editora: Intrínseca
Nota: 3,5/5 
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LIVRO CEDIDO EM PARCERIA COM A EDITORA


Matadouro-cinco, publicado inicialmente em 1969, em plena guerra do Vietnã, tem como pano de fundo um marcante acontecimento de outra grande guerra: a Segunda Guerra Mundial. Pouco falado pela maior parte das pessoas, o bombardeio da cidade alemã de Dresden foi um massacre que deixou a mesma quantidade de vítimas que o lançamento da ogiva nuclear em Hiroshima.

A narrativa é recheada de metáforas em todas as páginas. Matadouro-cinco contém uma crítica inteligente e sutil escondida a cada parágrafo e é um importante livro antiguerra, que não mede palavras ao descrever alguns momentos grotescos que se naturalizam durante os conflitos em trincheiras e fronts de batalha.

"E Billy tinha testemunhado o maior massacre da história europeia, o bombardeio incendiário de Dresden. É assim mesmo.
Ambos estavam tentando reinventar a si mesmos e ao seu universo. A ficção científica ajudava bastante." Página 141



É um livro “telegrafado”, ou seja, o autor narra a história em pequenos blocos de texto. Existem diversas divisões dentro de um mesmo capítulo, mesmo que os assuntos não estejam sempre diretamente relacionados. Isso torna a leitura mais fragmentada, fácil de ser picada, mas ao mesmo tempo quebra o ritmo de leitura de forma constante. É um recurso inteligente porque se assemelha à forma de comunicação do período em questão, então é uma metalinguagem bem colocada e coerente com a proposta.  É um livro que mesmo sendo inserido classificado como ficção científica e carregado de alguns elementos típicos do gênero como viagem no tempo, é um retrato autobiográfico do próprio autor.

É difícil saber o que é realidade e o que é ficção uma vez que o protagonista sobre com estresse pós-traumático pelo tempo que lutou na guerra e por tudo o que presenciou. O livro também faz uso de algumas referências para se assemelhar a um livro de ficção científica. Além da capa que poderia muito bem ter sido tirada da prateleira de uma estante geek, o autor menciona o tempo todo viagem no tempo, por exemplo, para se referir a lembranças do protagonista.

É como se ele estivesse vivendo diversos momentos ao mesmo tempo em que viaja pelo espaço. São como relances de consciência e lembranças. A cada fez que ele vai para determinado momento é como se ele despertasse de um sono confuso e fosse forçado a viver e reviver momentos traumáticos de sua vida diversas vezes enquanto volta no tempo Isso se repete ao longo de todo o livro. Passado presente e futuro se tornam uma coisa só em uma única narrativa.



Enquanto vários livros propõe a romantização da guerra, principalmente a participação americana nas guerras, Kurt Vonnegut faz exatamente o oposto. Ele descreve cenários da guerra de forma grotesca e sem pudor. Um exemplo é quando fala da comida que fez todos os soldados americanos passarem mal e do estado das latrinas após o acontecimento. Ele procura destruir todo o heroísmo e glamourização da guerra.

Ao se referir de forma mais política e militante a respeito dos Estados Unidos, ele pega trechos de Howard W. Campbell Jr., dando um tom mais sério ao livro e às discussões que ele propõe. Ele faz uso de um recurso muito comum no jornalismo que é usar as palavras de alguém, uma citação, para dar propriedade a determinado ponto de vista. Dessa forma ele não precisa abrir mão da ficção e da narrativa para passar uma mensagem e fazer com que o leitor reflita a respeito do que ele propõe.

"Muitas inovações surgiram nos Estados Unidos. A mais espantosa deas, algo sem precedentes, é uma massa de pobres desprovidos de qualquer dignidade. Eles não amam uns aos outros porque não amam a si mesmos. Quando se compreende isso, o comportamento desagradável dos praças americanos nas prisões alemãs deixa de ser um mistério." Página 177



O livro em si é uma metáfora sobre o despreparo de soldados para as guerras e a maneira como, muitas vezes, homens são enviados para os fronts sem acreditar na causa pela qual estão lutando. E além de todos os percalços e tragédias enfrentados durante a guerra, esses soldados são praticamente deixado à própria sorte quando ela chega ao fim. Não existe apoio o suficiente para lidar com os traumas que eles levam de volta para casa - isso quando os soldados conseguem votar para casa.

É um belo retrato da natureza humana e todas as suas faces durante um momento tão intenso e desprezível quanto o contexto de uma guerra. É onde o autor faz suas críticas mais ferrenhas e ácidas: a humanidade que vai se perdendo quando existe pouco controle.



O título do livro faz referência ao local onde Billy e ficou preso durante o bombardeio de Dresden, durante a segunda guerra. A descrição do personagem ao falar sobre o cenário pós-bombardeio é de chocar e arrepiar. Faz o leitor se colocar naquele lugar de morte e tragédia, ao mesmo tempo em que se depara com uma faceta pouco retratada das guerras em geral, principalmente aquelas com forte participação dos Estados Unidos.

É um livro cheio de metalinguagens. Ao longo da narrativa ficcional, o autor vai inserindo elementos de sua própria experiência, fazendo, inclusive, uma referência a si mesmo em primeira pessoa. Além disso, ele usa elementos da própria história para explicar as escolhas narrativas e seu propósito para com a escrita do livro. Este trecho em questão, parte de um diálogo entre personagens do livro, explica a escolha do autor de não dividir a narrativa com parágrafos curtos e sem uma linha cronológica muito bem delimitada:

"Não existem telegramas em Tralfamadore. Mas o senhor tem razão: cada bloco de símbolos é uma mensagem breve, urgente, descrevendo uma situação, uma cena. Nós, tralfamadorianos, lemos todos os blocos de uma só vez, em vez de um após o outro. Não existe qualquer relação específica entre todas as mensagens, exceto o fato de terem sido escolhidas com cuidado pelo autor, de modo que, ao serem vistas ao mesmo tempo, produzem uma imagem da vida que é bela, surpreendente e profunda. Não existe início, nem meio, nem fim, nenhuma moral, nenhuma causa, nenhum efeito. Em nossos livros, o que amamos é a profundidade de muitos momentos maravilhosos, vistos todos de uma só vez." Página 125



Mesmo entendendo a profundidade da narrativa e o propósito por trás de Matadouro-cinco, o livro não me encantou da mesma maneira intensa que conquista leitores do mundo todo ao longo dos anos. Por não saber o que esperar e por não ter muito conhecimento prévio a respeito do livro, comecei a leitura um pouco despreparada e confusa. Geralmente prefiro começar uma leitura sem interferências externas e, quando o livro é um político e clássico como Matadouro-cinco, acho que deveria acontecer o inverso. Então acredito que isso tenha prejudicado um pouco a minha experiência de leitura.

Entretanto, entendo a quebra de paradigmas do livro e toda a genialidade do autor, mas a experiência de leitura para mim foi, muitas vezes, pouco envolvente. Me vi querendo amar a leitura, mas passando as páginas sem muito entusiasmo. É um daqueles livros que preciso reler, com uma mente mais informada e consciente, para conseguir extrair mais do protagonista e do enredo como um todo.



Quero dedicar um parágrafo para falar sobre essa edição comemorativa lindíssima da Intrínseca. Além de ter a capa dura, que faz total diferença, essa edição conta com uma pintura trilateral branca, diferente de tudo que tenho na minha estante. Além disso, o design da capa também chama muito a atenção e vende o livro mesmo para aquele leitor que não está tão habituado a consumir livros de ficção científica. O livro é um presente para a estante e faz com que ler a história seja bem mais gostoso e divertido.




Matadouro-cinco é, sem sombra de dúvidas, um manifesto antiguerra importantíssimo para a literatura. Entretanto, acredito que não seja um livro fácil ou prazeroso para todo tipo de leitor. É preciso entender melhor o contexto em que ele foi escrito para conseguir absorver a intenção do autor com essa história e suas escolhas narrativas. É um livro que, por mais que sua linguagem seja coloquial e tenha uma narração em parágrafos frasais, se torna denso para o leitor comum e exige determinado nível de paciência. É um livro interessantíssimo e, mesmo não tendo amado esse clássico como muitas outras pessoas, não me arrependo da leitura e fico contente por ter contato com mais uma joia da literatura.

Gostou da resenha de Matadouro-cinco e quer conferir outra dica de leitura de ficção científica? Então conheça a história de Flores para Algernon!

"Na verdade, a indiferença externa de Billy era uma proteção. A indiferença escondia uma mente que efervescia e faiscava, muito animada. Billy estava preparando cartas e palestras sobre os discos voadores, a insignificância da morte e a verdadeira natureza do tempo." Página 253


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