Resenha: O Poder

by - 11:23


Já estou de olho no livro O Poder há alguns meses. Quando The Power começou a fazer um barulhinho lá fora, procurei saber mais sobre essa história tão diferente, única e incrível. Esse livro ficou na minha cabeça até que para a minha surpresa, alguns meses depois, a Planeta de Livros anunciou The Power em seu catálogo. Quando finalmente tinha o livro em mãos mal pude conter a ansiedade para lê-lo.

O que eu achei da leitura? Confira a resenha de O Poder e saiba mais sobre essa narrativa eletrizante:

"Em um futuro próximo, as mulheres desenvolvem um estranho poder: elas se tornam capazes de eletrocutar outras pessoas, infligindo dores terríveis... até a morte. De repente, os homens se dão conta de que não estão mais no controle do mundo."



FICHA TÉCNICA
Título: O Poder
Autora: Naomi Alderman
Ano: 2018
Páginas: 368
Idioma: Português
Editora: Minotauro (Planeta de Livros)
Nota: 5/5  
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O Poder é um livro que chama a atenção desde a sinopse. Em meio a tantas lutas em busca da igualdade de gênero, esbarrar com um livro que narra um mundo onde as mulheres detém o poder é extremamente instigante. O enredo já começa de forma eletrizante (perdoem o trocadilho) e Naomi já começa a estabelecer as bases da história desde o começo. Os personagens são apresentados logo de cara e, apesar do estranhamento inicial devido às histórias paralelas, é fácil se acostumar à proposta da autora.

A história é contada por meio da trajetória de quatro protagonistas; três mulheres e um homem, e todos têm papéis bem diferentes, mas igualmente importantes para a construção da narrativa. Allie é uma jovem que, ouvindo uma misteriosa voz interior, se torna Mãe Eva, a líder espiritual e política das mulheres de todo o mundo e responsável por guiar a população rumo à revolução. Margot é a prefeita de uma cidade norte-americana que começa a ascender na carreira política para propagar sua ideia para essa nova ordem mundial. Roxy é filha de um mafioso que, com a descoberta do poder, passa a se tornar a chefe da máfia. Tunde é um jovem que se descobre repórter ao gravar o primeiro vídeo do uso do poder por parte das mulheres e que se torna um ícone no que diz respeito à documentação dessa revolução e influenciador jornalístico.

 “Noor coloca dois dedos sobre a palma da mão da mulher e mostra a ela como usar aquilo que devia estar sempre dentro dela, devia estar esperando aqueles anos todos da vida dela para vir à tona. É assim que funciona. As mulheres mais novas despertam aquilo nas mais velhas; mas de agora em diante toda mulher terá aquilo.” Página 73

O Poder narra uma realidade em que as novas mulheres já nascem com o poder de emitir choques elétricos. Apesar das mais velhas não manifestarem esse poder, as mais novas podem ajuda-las a despertar esse tom que, de alguma forma, sempre esteve presente. Saber que aquele poder sempre esteve dentro delas é uma bela metáfora para a luta que atualmente está ganhando cada vez mais força por causa do movimento feminista e que vem dando cada vez mais confiança e estrutura para que meninas e mulheres do mundo todo se imponham e busquem seus direitos. Os direitos conquistados daqui pra frente sempre pertencerão a todas as mulheres, independente de qual idade elas tenham ou de onde elas vieram.


O final de cada capítulo é composto por ilustrações de aparatos ou ferramentas usadas durante a ditadura das mulheres. São instrumentos e relatos que imitam escavações arqueológicas com ilustrações e descrições bem explicativas. Assim como a própria história, esses instrumentos invertem o papel opressor e oprimido, sendo a mulher a opressora. Atualmente, em algumas culturas a mulher tem os órgãos genitais mutilados de forma a não sentir prazer durante o ato sexual. Um dos objetos descritos no livro, por exemplo, faz referência a uma ferramenta capaz de cauterizar terminações nervosas do órgão genital masculino para que ele só tenha ereções quando uma mulher usar o poder para estimulá-lo.




“O estopim da revolta foi a morte de duas garotas, de mais ou menos doze anos. Um tio pegou as duas treinando sua bruxaria juntas; religioso, ele convocou seus amigos, e as meninas lutaram para não ser punidas e de algum modo acabaram espancadas até a morte. E as vizinhas viram e ouviram. E – quem pode dizer por que essas coisas aconteceram na quinta-feira, quando tudo podia ter passado despercebido na terça-feira? – elas revidaram. Uma dúzia de mulheres se transformou em cem. Cem viraram mil. A polícia recuou. As mulheres gritaram; algumas fizeram cartazes. Elas entenderam a força que tinham, todas ao mesmo tempo.” Página 70

O livro é um belo tapa na cara e, nas palavras de Pam Gonçalves, uma paródia do patriarcado. Toda a narrativa é elaborada de forma a construir o momento final, o confronto que define de forma irrevogável a nova origem mundial. A própria divisão de capítulos é feita com base em uma contagem regressiva que leva ao clímax da revolução das mulheres.

O livro todo é baseado em traumas e vinganças. As principais motivações dos protagonistas envolvem revanches e escolhas feitas com base em traumas passados. Quando as mulheres se descobrem fisicamente mais poderosas que os homens, uma nova realidade se torna uma possibilidade concreta e, com a união das mulheres de todo o mundo, começa uma ditadura matriarcal em que os homens têm seus direitos retirados, direitos como o voto, permissão para dirigir e emprego. Direitos que as mulheres viveram séculos sem poder usufruir e que precisaram lutar por anos e anos para conquistar são retirados dos homens.

O Poder é um exemplo de livro com uma boa caracterização e contextualização do momento histórico em questão sem precisar de descrições excessivas. Naomi escreve de forma objetiva, sem muitas delongas e tendo a trajetória dos personagens como foco principal. Cada um deles contribui de alguma forma para a revolução e seus pontos de vista representam de forma bem inteligente as visões de diferentes estruturas dessa sociedade, indo desde uma pequena menina que nasceu com esse novo poder e precisou usá-lo para sobreviver à violência, buscando refúgio em abrigos, até mulher adulta com um cargo político importante que precisa se acostumar a essa nova e inquietante realidade. O fato de ter um homem como um dos protagonistas também ajuda a enriquecer a narrativa, ainda mais colocando-o como um repórter que vê de perto todo esse processo de mudança. 

O começo do livro é um pouco confuso, Naomi não segue uma narrativa completamente linear e isso acaba causando certo estranhamento no começo da leitura. O livro começa com uma troca de mensagens entre Neil e Naomi e não somos apresentados a essas personas. Neil fala para Naomi que gostaria que ela lesse seu manuscrito sobre um mundo onde os homens detinham o poder e explica que houve uma reviravolta que colocou as mulheres no topo da pirâmide hierárquica. Ele descobre isso com base em descobertas arqueológicas e registros históricos que descrevem uma era pré matriarcado. A história de O Poder é, na verdade, o manuscrito de Neil, mas isso só fica claro ao final do livro, quando Naomi escreve seus comentários a respeito da leitura.

O nome da autora e o final da troca de mensagens sugere que ela tenha roubado o original do homem ou que a autora tivesse feito uma brincadeira fingindo que um homem alterou o nome dele e colocou como de uma mulher para ser mais aceito em um mundo dominado por mulheres. Fato que acontece com frequência na nossa realidade, não é mesmo?

Naomi Alderman cria uma história que mostra da forma mais crítica possível como o poder corrompe e como o ser humano está fadado a se corromper. Um ponto muito interessante e que gera reflexão é apresentado em meio a um diálogo em que duas personagens discutem o porquê de terem cometido um ato de violência e a resposta é “porque podemos”. Ao longo da história somos levados a refletir sobre igualdade, sobre poder, sobre empatia. Somos obrigadas a pensar “o que faríamos se tivéssemos tamanho poder? Buscaríamos igualdade e justiça ou seríamos corrompidas e tentadas a inverter os papéis?”. Uma das reflexões propostas no livro se destacou com o título. O título do livro pode ser entendido de duas formas: o poder de emitir choques elétricos e o poder como estado de poder, como o fato de ter o poder em relação a outra pessoa.


O Poder é uma narrativa extremamente inteligente, construída nos detalhes e com cenas que rendem reflexões infinitas, tanto no que diz respeito ao patriarcado quanto à corruptividade do ser humano. Um dos diálogos mais marcantes do livro resume bem a força de impacto dessa narrativa: “Não importa que ela não dava fazer, que ela jamais o fará. O que importa é que ela poderia, se quisesse. O poder de machucar é uma espécie de riqueza.”

O Poder é um livro que merece uma segunda e terceira leitura, Naomi constrói uma narrativa extremamente crítica nas nuances de seus personagens. É difícil absorver tudo apenas com uma leitura uma vez que várias críticas se tornam mais explícitas e duras ao longo da leitura. Como é um livro diferente de tudo, o estranhamento inicial pode prejudicar uma visão mais atenta à narrativa. Não é um livro com uma narrativa toda mastigada. Suas críticas são construídas nos detalhes e cada um terá uma experiência única lendo essa história. São críticas sutis, mas poderosa. É difícil encontrar um livro que trate de uma temática tão atual de forma tão inteligente e impactante.

O Poder é um livro exatamente interessante para ser lido pelos olhos de um homem também. Enquanto as mulheres sentem que, de certa forma, é uma justiça ver as mulheres tomando o poder e buscando seus direitos, os homens, ao lerem a história de Naomi Alderman, poderão sentir um pouco o que é ser uma mulher, o que é estar no lugar do oprimido e não do opressor no que diz respeito à busca pela igualdade de gênero. É um livro que tira todos os leitores de um lugar comum ao apresentar uma poderosa e extrema inversão de papéis. O Poder é um livro que me fez ficar arrepiada em diversos momentos da leitura e é um livro que tem tudo para virar um clássico.

 “Um deles diz:
- Por que eles fizeram isso, [...]?
E o outro responde:
- Porque eles podiam.
E essa é a resposta para tudo.” Página 316


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13 comments

  1. Esse livro parece ser o oposto de O Conto da Aia (onde as mulheres se tornam "escravas"), já vou adicionar na minha listinha, pois pela resenha, esse livro parece ter um ótimo potencial =D
    Beijinhos <3

    Toca da Lebre

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  2. Boa noite, como vai? Confesso que ainda nao conhecia esse livro, mas eu achei a historia, super interessante, acredito que seja uma ótima escolha para ler beijos

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  3. Olá! Não conhecia este livro, mas me parece um livro muito bom para se ler e refletir, colocarei na minha lista de leitura do mês de agosto. Bjs

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  4. Não conhecia esse livro, mais achei mega interessante!

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  5. Cpa perfeita, titulo convidativo e temática revolucionária! Como n amar??? <3

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  6. adoro livros com temática revolucionária, otimo para refletirmos, gostei muito da resenha.

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  7. Com certeza é instigante, o mundo ainda é muito machista e um livro voltado ao "poder das mulheres" chama super a atenção

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  8. Embora nós conseguimos muitos direitos nesse mundo, ainda há um machismo muito grande.
    Eu estou lendo o livro da Mary Kay Ash e ela relata como sofreu por ser mulher antes de alcançar seu sucesso no mundo.
    Pelo que você descreveu, The Power deve ser mesmo muito bom.
    Vou colocar na minha lista.

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  9. Uau, que interessante!
    Gostei muito da sinopse, vai entrar para minha lista <3 Bjs

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  10. Achei super interessante esse livro, desde a capa, a sinopse e até as ilustrações no fim de cada capítulo, gostei da sua resenha

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  11. Eletrizante esse enredo (me perdoe o trocadilhos rss), não conhecia esse título e fiquei mega curiosa pra descobrir o desfecho!

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  12. Muito bom esse POST, preciso ler esse livro,já amei😍

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  13. to muito apaixonada por esse livro!
    deve ser um livro e tanto, vou colocar na lista de quero

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