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29 de jan. de 2020

Resenha: No Jardim do Ogro


Depois de Canção de Ninar, Leïla Slimani retorna com mais um lançamento capaz de tirar da zona de conforto até o leitor mais "preparado". No Jardim do ogro é um romance visceral sobre um corpo escravizado por seus impulsos, representado pela história de uma mulher e sua sexualidade. Uma leitura impactante e intensa, para tirar seu fôlego e te deixar com um nó na garganta.

"Adèle tem a vida perfeita: é uma jornalista de sucesso em Paris, onde vive com seu marido cirurgião e seu filho pequeno em um lindo apartamento. Mas, debaixo da superfície, ela está entediada com seu trabalho e seu casamento – e consumida por uma necessidade insaciável de sexo a qualquer custo. Movida menos pelo prazer que pela compulsão, ela organiza seu dia em torno de casos extraconjugais, chegando atrasada ao trabalho e mentindo para o marido, até se enredar definitivamente em sua própria armadilha. No jardim do ogro é um romance visceral sobre um corpo escravizado por seus impulsos, o vício sexual e suas consequências implacáveis."

FICHA TÉCNICA
Título
: No Jardim do Ogro
Autora: Leïla Slimani
Páginas: 192
Ano: 2019
Editora: Tusquets (Planeta de Livros)
Nota: 4
Compre: Amazon
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LIVRO CEDIDO EM PARCERIA COM A EDITORA

Não recomendado para menores de 18 anos





Se tem algo que aprendi desde Canção de Ninar é que é impossível se manter indiferente ao ler um livro de Leïla Silmani. A autora tem uma habilidade ímpar de trazer algumas das características mais incômodas da personalidade das pessoas para seus personagens. Ela sabe como criar um enredo que cutuca nas feridas do leitor e o desperta para aquilo que ela busca tratar. Leïla Silmani, tanto em Canção de Ninar, quanto em No Jardim do Ogro, fala sobre pessoas aparentemente normais, com uma reviravolta que as devolve para a ficção, sem perder a verossimilhança de uma narrativa poderosa e impactante.

"Faz uma semana que ela aguenta. Uma semana que ela não cedeu. Adèle comportou-se. Em quatro dias, correu trinta e dois quilômetros. [...] Mas, esta noite, ela sonhou e não conseguiu dormir de novo. Um sonho úmido, interminável, que se introduziu  nela como um sopro de ar quente. Adèle só consegue pensar nisso." Página 7


No Jardim do Ogro tem como protagonista Adèle, uma mulher com uma carreira sólida, com um núcleo familiar estabelecido, personalidade forte e aparência física atraente. Apesar de ter uma vida aparentemente perfeita, Adèle sobre com um transtorno banalizado e romantizado com frequência: a ninfomania. O desejo sexual hiperativo é um transtorno psiquiátrico que faz com que a pessoa tenha um desejo sexual compulsivo, que pode afetar seus relacionamentos, seu trabalho e sua família. Todos esses elementos são trabalhados com clareza à medida que o leitor vai conhecendo mais da rotina de Adèle e com o desenvolvimento da narrativa.

A princípio pode parecer difícil desvincular o comportamento de Adèle de seu caráter. Entretanto, ao mostrar o poder de um transtorno psiquiátrico, Leïla Slimani carrega o leitor por uma história de sofrimento, tortura e escravidão causada por impulsos. No Jardim do Ogro é um livro visceral, sem filtros ou amarras. A forma como Adèle é exposta é desconfortável e, mesmo sendo uma obra de ficção, o contato tão cru com a personagem torna a leitura extremamente rica, mesmo que seja intensa.


É difícil se sentir conectado à protagonista por causa de sua doença, mas esse é justamente um dos pontos altos do livro. Ao tirar o leitor de sua zona de conforto de forma tão impactante, é preciso criar uma empatia para com a protagonista e vê-la como humana, como uma mulher perdida em seus próprios impulsos.

Adèle vê esse comportamento como aquilo que a define. Ela não consegue se desvincular de sua compulsão sexual e a rotina que estabeleceu com base nesses impulsos inegáveis. Então por mais que ela perceba todos os problemas e erros envolvidos em suas atitudes, ao afetar as pessoas ao seu redor, renunciar a esse padrão seria renunciar a si mesma e ela não sabe quem é sem essa bagagem.

"Você não se pronuncia, então não reclame por eu tomar decisões. E, sinceramente, não sei por que você precisa se comportar assim. Se embriagar, falar com superioridade como se entendesse tudo da vida e como se fôssemos só um bando de ovelhas estúpidas aos teus olhos. Sabe, você é tão ordinária quanto nós, Adèle. O dia em que você aceitar isso, será muito mais feliz." Página 52


A escrita da autora é algo que me conquistou desde Canção de Ninar. Assim como no seu livro de estreia, em No Jardim do Ogro Leïla Slimani faz uso de poucos diálogos e opta por trabalhar a psique de seus personagens da forma mais intensa possível. Mesmo sem escrever livros grandes - tanto Canção de Ninar quanto No Jardim do Ogro têm menos de 200 páginas - as histórias de Slimani são profundas, bem escritas e exploradas de maneiras bem interessantes. É impossível se manter neutro e imparcial e essa inquietação atribui uma riqueza aos seus livros.


No Jardim do Ogro é um livro difícil de largar. Li o livro todo de uma vez e confesso que ele deixou marcas em mim mesmo quando passei a última página. Mergulhar de cabeça na confusão e nos delírios de uma mulher observada por si mesma e pela adrenalina de se encontrar no prazer sexual de outros homens não é algo fácil. É uma leitura que te prende pela intensidade e não pela forma como você se sente ao ler o livro.

No Jardim do ogro é um livro profundo, intenso e perturbador. Não é uma leitura recomendada para qualquer leitor e acredito que seja preciso estar preparado para o que vai encontrar nas páginas de No Jardim do Ogro. Leïla Slimani sabe trabalhar com maestria todas as nuances da mente humana em seus momentos mais perturbadores e a leitura pode acabar disparando alguns gatilhos no leitor mais sensível à temática abordada.

Gostou do livro e quer conferir outro livro da autora? Então conheça Canção de Ninar!

"Ela teria vomitado sobre esses dias intermináveis, estado apenas juntos, alimentando-se uns aos outros, olhando-se dormir, disputando a banheira, procurando ocupações. Os homens a tiraram da infância. Extirparam-na dessa idade lamacenta, e ela trocou a passividade infantil pela lascívia das gueixas." Página 109


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